A QUINTA DISCIPLINA
O especialista Peter Senge diz em entrevista
exclusiva que os programas de aprendizado podem ser a única fonte sustentável de
vantagem competitiva
Se o ponto de partida para se tornar uma learning
organization está no engajamento de todos os membros da empresa, o passo seguinte é
incorporar as cinco disciplinas de aprendizagem: domínio pessoal, modelos mentais, visão compartilhada,
aprendizado em equipe e pensamento sistêmico. Quem diz isso é Peter M. Senge, o maior especialista
em aprendizado organizacional da atualidade, autor do livro A Quinta Disciplina (ed. Best Seller),
referência em todo o mundo.
Em entrevista exclusiva, Senge aproveita para derrubar
vários mitos. Ele relega a segundo plano, por exemplo, a importância da tecnologia da informação
para o aprendizado organizacional e também não valoriza muito o treinamento. "As
pessoas aprendem no dia-a-dia, ao longo do tempo", argumenta. Além disso, afirma
que, para que o aprendizado efetivamente aconteça, a liderança mais importante
não vem de quem está no topo da pirâmide, mas dos "líderes de linha locais":
líderes de equipes, gerentes de desenvolvimento, gerentes de vendas, gerentes de unidades de
produção e chefes de operações de produção. A entrevista é de Mercedes
Reincke.
O mundo dos negócios
mudou bastante desde que o sr. escreveu A Quinta
Disciplina, particularmente no que se refere a tecnologia. Como o sr.
definiria hoje a learning organization?
Eu não mudaria a
definição: as organizações que aprendem são aquelas nas quais as pessoas
aprimoram continuamente suas capacidades para criar o futuro que realmente
gostariam de ver surgir. Não acredito que a tecnologia tenha um impacto tão
grande assim, porque as mudanças fundamentais nessa área sempre estiveram
relacionadas com as pessoas e não com a tecnologia. Até o momento, o máximo que
a tecnologia da informação fez foi permitir que as pessoas troquem dados e
informações, o que nem sempre é a questão mais importante para o aprendizado.
É
preciso pensar no tipo de aprendizado que a tecnologia proporciona. Uma pessoa pode até receber
mais informações graças à tecnologia, mas, se não possuir as capacidades
necessárias para aproveitá-las, não adianta. A pessoa consegue realmente aprender algo mais com
uma informação nova quando já sabe muito a respeito de um assunto. As
capacidades que sempre focalizamos até hoje são, na realidade, capacidades que
poucas pessoas e poucas organizações possuem. O fato de haver mais informações
sobre elas não faz muita diferença.
Então, suas cinco disciplinas do
aprendizado continuam as mesmas? O sr. pode explicá-las uma por
uma?
Essas cinco disciplinas são programas permanentes de
estudo e prática que levam ao aprendizado organizacional e continuam as mesmas,
porque o que importa é adquirir as capacidades fundamentais para
organização.
A primeira disciplina é o domínio
pessoal. Significa aprender a
expandir as capacidades pessoais para obter os resultados desejados e criar um
ambiente empresarial que estimule todos os participantes a alcançar as metas
escolhidas.
A segunda disciplina, que chamo de modelos mentais, consiste em refletir, esclarecer continuamente e
melhorar a imagem que cada um tem do mundo, a fim de verificar como moldar atos
e decisões.
A terceira disciplina, visão
compartilhada, é estimular o
engajamento do grupo em relação ao futuro que se procura criar e elaborar os
princípios e as diretrizes que permitirão que esse futuro seja
alcançado.
A quarta disciplina, aprendizado em
equipe, está em transformar as
aptidões coletivas ligadas a pensamento e comunicação, de maneira que grupos de
pessoas possam desenvolver inteligência e capacidades maiores do que a soma dos
talentos individuais.
E finalmente a quinta disciplina, pensamento
sistêmico, é criar uma forma
de analisar e uma linguagem para descrever e compreender as forças e
inter-relações que modelam o comportamento dos sistemas. É essa quinta
disciplina que permite mudar os sistemas com maior eficácia e agir mais de
acordo com os processos do mundo natural e econômico.
Em sua opinião, quais são os modelos de
learning organization hoje em dia?
Não há modelos ou
empresas-modelo. Não é assim que trabalhamos. Estamos interessados nas
capacidades fundamentais de uma organização e em ferramentas, métodos e
processos que tornem possível a aquisição dessas capacidades. Algumas
organizações estão mais adiantadas do que outras, é claro, mas evitamos tomá-las
como modelo. Por quê? Simplesmente porque não é dessa forma que a inovação
acontece; não se pode copiar.
Para inovar é preciso ter capacidades novas e
fundamentais. Por isso, não somos muito favoráveis ao benchmarking e outras
técnicas semelhantes. Mais uma vez, esse tipo de coisa é muito útil para
promover um aprendizado de pequenas coisas, mas não interessa quando se trata de
um aprendizado profundo.
Qual é a diferença entre treinamento, formação e
aprendizado? O aprendizado não envolve treinamento?
Sim, o aprendizado pode envolver
algum treinamento, mas vai além. Poucos de nós aprendem as coisas que são
realmente importantes para nossa vida em programas de
treinamento. O aprendizado ocorre no
dia-a-dia, ao longo do tempo.
O aprendizado sempre acontece quando as pessoas estão às voltas com questões
essenciais ou se vêem diante de desafios. Nesse sentido, o aprendizado não tem
muito a ver com treinamento. Programas de treinamento podem ser úteis, por
exemplo, para a apresentação de um assunto novo.
Como uma empresa tradicional pode se transformar em uma
organização que aprende?
De certa forma, todas as empresas são organizações que
aprendem, porque estão aprendendo sempre. O aprendizado tem lugar em todas as
empresas, independentemente de sua localização, porque o mundo está mudando e
elas precisam mudar junto.
Apontamos, no entanto, uma relação de competências que
as organizações devem desenvolver a fim de alterar e aumentar significativamente
sua capacidade de aprendizado. Há várias maneiras de iniciar essa jornada do
aprendizado. A maioria das empresas começa por fazer as pessoas se darem conta
de que o aprendizado é importante para elas. Não existe nada que substitua o
engajamento autêntico e a visão pessoal, que surgem quando as pessoas começam a
se comprometer com determinadas mudanças no ambiente de trabalho.
Os funcionários não
precisam acreditar nas cinco disciplinas de aprendizado das quais falo. Não se
trata de uma religião. As pessoas têm de acreditar, isto sim, em algo que tenha
significado pessoal para elas. Se não estiverem pessoalmente engajadas, o
processo de aprendizado não será mantido. Portanto, de um modo ou de outro,
sempre começamos pelo engajamento.
Meu livro A Quinta Disciplina é um bom
ponto de partida para as pessoas começarem a considerar questões ligadas à
maneira de começar. Na verdade, esse é o enfoque principal do livro.
Atualmente existe muita migração de um emprego para
outro no mercado. As empresas não estariam correndo o risco de ensinar aos
funcionários algo que poderão utilizar em outro emprego? Como se lida com
isso?
Esse é certamente um problema real. Com o deslocamento
das pessoas de um emprego para outro fica muito difícil ter uma learning
organization, porque é preciso haver certa dose de continuidade. Mas as
pessoas mudam de emprego também porque não estão satisfeitas ou não se sentem
estimuladas em seu trabalho.
As empresas talvez consigam resolver isso criando um
ambiente em que as pessoas efetivamente possam se engajar no que fazem e o
crescimento pessoal e o da organização estejam interligados. Se isso acontecer,
elas deixarão de mudar de emprego com tanta frequência. Bem, esse é o ponto de
partida, a primeira condição.
Existe o risco de as empresas se
tornarem muito parecidas com universidades?
Não creio nisso, porque
a idéia não é aprender por aprender. Em uma empresa, a aprendizagem está relacionada com
seus grandes desafios e a maior parte das pessoas é motivada a aprender por
estar comprometida com a missão geral, que, diga-se, não pode ser somente a de ganhar
dinheiro. Se as
pessoas acharem que o único objetivo da empresa é ganhar dinheiro, deixarão de
assumir qualquer compromisso.
Por isso, é preciso primeiro definir para que serve a
organização, por que ela existe, como ela pretende fazer com que o mundo seja um
pouco diferente, qual é seu propósito etc. etc. Se as pessoas se importarem com
tudo isso, a empresa não será como uma universidade, porque ela não estará
aprendendo simplesmente por aprender. Estará aprendendo porque deseja realmente
fazer alguma coisa diferente ou melhor. Eu pessoalmente nunca vi uma empresa
transformar-se em uma universidade.
Como se faz a transição de
organizações que aprendem para comunidades que aprendem?
Esse tipo de transição
está avançando gradativamente e venho trabalhando nessa área nos últimos quatro
anos. De certa forma trata-se simplesmente de conseguir ver o óbvio. Sempre que
há um aprendizado organizacional significativo, seja onde for, ele se deve a uma
comunidade de pessoas. Uma organização nada mais é do que uma grande comunidade
de pessoas. Não uma máquina, mas uma comunidade viva; portanto, o verdadeiro
aprendizado organizacional é o aprendizado das comunidades. Por isso é tão
importante se concentrar no aprendizado em equipe (a Quarta
disciplina).
E quanto às pessoas que lideram as organizações que
aprendem? Como devem ser?
Em primeiro lugar, as pessoas que lideram não são as
que estão no topo da pirâmide isso é muito, muito importante. A maior parte das
pessoas de países como os Estados Unidos ou o Brasil, de cultura "hierárquica",
refere-se a presidentes e afins quando pensa em líderes. Em minha opinião, os
que pensam dessa maneira nunca serão líderes e as organizações não precisam
deles.
As mudanças que devem ser feitas são tão abrangentes e
profundas que é preciso haver liderança em todos os níveis. Descobrimos ao longo
dos anos que a liderança mais importante vem dos "líderes de linha locais", as
pessoas que têm responsabilidade empresarial e capacidade de liderar: são
líderes estudantis de escolas de Administração, líderes de equipes, gerentes de
desenvolvimento, gerentes de vendas, gerentes de unidades de produção e possivelmente
chefes de operações de fabricação em determinadas circunstâncias.
Há
também uma liderança bastante significativa que vem daquilo que convencionamos
denominar "rede interna de funcionários", formada pelas pessoas que espalham
idéias novas por toda a organização. Elas são muito importantes. Além disso existe ainda a
liderança executiva. Ou seja, há vários tipos de liderança em uma
organização.
É tremendamente importante que as pessoas não elejam
apenas um pequeno grupo como líder, porque ninguém pode mandar que você mude
seus valores -você é que decide. As mudanças que envolvem a percepção da vida,
capacidades, valores e atitudes só podem ocorrer quando as pessoas lideram a si
mesmas.
De que maneira uma empresa que usa os conceitos da
learning organization poderá prever mudanças ligadas aos
clientes e ao mercado?
Pessoas que trabalham em organizações que
desenvolveram a capacidade de dialogar e utilizar modelos mentais lidam com seus
clientes de uma forma diferente. Estou considerando o que vou dizer apenas como
exemplo das capacidades centrais dos funcionários das organizações com as quais
trabalhamos. Esses funcionários não estão apenas vendendo alguma coisa para seus
clientes; estão criando um relacionamento especial. E o sentimento é
mútuo.
O sr. pode dar um exemplo?
A Federal Express é um
bom exemplo. Ela começou há vários anos um projeto destinado a desenvolver um
relacionamento muito diferente com seus grandes clientes mundiais. A companhia
queria chegar a uma relação de parceria, para que seus clientes pudessem
trabalhar junto na solução de complexos problemas de logística internacional.
Isso exigia um conjunto diferente de aptidões. A empresa precisou aprender a
ouvir em profundidade. Precisou aprender a compreender o que significava para
ambas as partes esse trabalho conjunto de empresa e cliente.
Esse tipo de processo é
iniciado para responder às mudanças relacionadas com as necessidades reais dos
clientes e é sempre excelente, pois serve para aumentar muito nossa capacidade
de ouvir.
O sr. acredita que a tecnologia poderá ajudar,
promovendo a interação com um número maior de clientes e entre os membros de uma
empresa?
Não muito. Não, se o que estou dizendo for
perfeitamente entendido. Não estou falando de informação. A única coisa que a
tecnologia da informação pode fazer é disseminar informação, e a informação não
cria aprendizado. Esse é um enorme mal-entendido que afeta muitas pessoas. A
informação só pode nos ajudar a aprender alguma coisa que já entendemos e, se
recebermos mais informações, poderemos fazer as coisas de uma forma ligeiramente
diferente. O tipo ele mudança fundamental observado nos mercados e clientes não
se faz somente com uma quantidade maior de informações -e a informática apenas
divulga informações.
Atualmente os consultores vendem uma série de soluções
para o problema da informação, dizendo: "Vamos ensiná-los a administrar o
conhecimento em sua companhia vendendo-lhes o mais novo sistema de informação".
Não funciona.
Os seres humanos aprendem realmente quando há
mudanças fundamentais na sua maneira de ver o mundo e alterações significativas
de suas capacidades. E ter
mais informações não provoca essas alterações. Talvez muito, muito
raramente.
Quando uma empresa recruta funcionários, o que deve
levar mais em conta: competências, capacidades ou talento?
Não sei como responder
a essa pergunta em termos abstratos. Acredito que a coisa mais importante quando
se contrata alguém é sua capacidade de assumir compromissos na vida privada, a
maturidade pessoal e a capacidade de aprender. Há alguma coisa que seja
realmente importante em sua vida ou a pessoa está apenas procurando um emprego?
A pessoa deseja realmente contribuir para melhorar o mundo? Ela tem capacidade
de servir os outros ou de servir um propósito mais elevado?
Não sei que nome
dar a tudo isso. Talvez qualidades pessoais profundas, mas tudo está muito
ligado à verdadeira maturidade. Essas idéias não têm nada de novo; pelo
contrário, são bem antigas. Penso que contrataria as pessoas com maior grau de
maturidade, se pudesse escolher. Essas pessoas são mais capazes de
aprender.
Em que assuntos o sr. está trabalhando
agora?
Atualmente venho me dedicando ao desenvolvimento de
uma comunidade mundial de empresas, consultores e pesquisadores de todo o mundo que
trabalharão para promover mudanças contínuas nas organizações. Dei a ela o nome
de Sociedade do Aprendizado Organizacional, que deriva do trabalho que venho
realizando nos últimos seis anos no MIT.
Acredito que esse tipo de cooperação seja
absolutamente vital. Trata-se de um trabalho muito pessoal, que precisa ser
executado em comunidades, em diferentes lugares do mundo. Como norte-americano,
eu nunca poderia ajudar uma empresa brasileira, por exemplo, a promover todas as
mudanças culturais necessárias. Isso precisa ser feito por brasileiros, por
consultores que entendam o ambiente cultural das empresas locais. Sendo assim,
acredito firmemente na necessidade de construir esse tipo de rede mundial. Por
essa razão, hoje estou tentando criá-la.
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