Histórias de sucesso inspiram. Histórias de fracasso ensinam. Como
executivos e empresários de qualquer setor podem aprender com a
incrível ascensão e a fulminante queda de Eike Batista?
Em seu livro Como as gigantes caem, o pesquisador americano Jim
Coluns afirma que as grandes corporações passam por cinco estágios até
sua morte definitiva. São eles: o excesso de confiança proveniente do
sucesso, a busca indisciplinada por mais, a negação de riscos e perigos,
a luta desesperada pela salvação e a entrega resignada à irrelevância.
Essas fases costumam levar anos, décadas — muitas vezes, gerações.
Grandes empresas não passam do sucesso ao fracasso do dia para a noite. E
por isso que a história do empresário brasileiro Eike Batista chama
tanta atenção. Nunca se viu queda tão rápida como a do grupo EBX,
controlado por Eike. Sob a ótica de Collins, ele levou meses para
percorrer etapas que, em situações normais, levariam décadas.
De 2005 a 2012, Eike Batista captou investimentos de 26 bilhões de
dólares para as empresas que levou à bolsa.Também financiou o
conglomerado com o sempre solícito BNDES, cujas operações com o grupo
EBX somam 10,4 bilhões de reais, e por bancos privados como Bradesco e
Itaú. As empresas X foram desenhadas para atuar de maneira complementar
nos setores de mineração, energia, petróleo, logística e construção
naval. Todas partiram do zero e tinham data marcada para entregar
resultados. O prazo chegou, mas o resultado não veio. Hoje, Eike acumula
dívidas, tem investimentos enormes a fazer, pouco dinheiro em caixa e,
pior, ninguém está disposto a financiá-lo. Diante da crise, o grupo EBX
está em liquidação. O golpe potencialmente fatal aconteceu no dia P de
julho, quando sua principal empresa, a petroleira OGX, anunciou que iria
parar de investir em seu maior campo de petróleo. Em 2013, as ações da
OGX caíram 90%. Em um ano, as empresas de Eike perderam 23 bilhões de
reais de valor de mercado.
O que explica queda tão rápida?
Os sete maiores
erros de Eike são descritos a seguir, um roteiro acabado do que não
fazer.
Não protegeu a empresa de seus próprios defeitos
Empreendedores de sucesso imprimem na cultura de suas companhias
traços marcantes de suas personalidades. É comum que sejam geniais,
teimosos e pouco afeitos a compartilhar seu poder. A Apple é tão
revolucionária e misteriosa quanto era seu criador, Steve Jobs. Elie
Horn manda no dia a dia da construtora Cyrela até hoje. Há um bom motivo
para isso — como criaram companhias bem-sucedidas, é mesmo provável que
eles entendam como poucos das peculiaridades de seus setores. No caso
de Eike, seu arrojo, destemor e poder de convencimento foram
fundamentais para transformar o grupo EBX num gigante. Ele mesmo se
dizia um criador de empresas — mas jamais viria a reconhecer que gestão
não era seu forte. Na hora de administrar as empresas criadas, os mesmos
traços de personalidade que eram virtudes fundamentais se transformaram
em defeitos.
Diversificou, mas concentrando riscos
Um dos grandes truísmos do mundo dos negócios é aquele que prega a
diversificação como melhor forma de reduzir riscos. Eike criou um grupo
que chegou a ter 16 empresas — mas de uma maneira que concentrou riscos
em vez de espalhá-los. Seu conglomerado atuava em mercados que vão do
petróleo, com a OGX, ao entretenimento, com a IMX, que organiza os
espetáculos do Cirque du Soleil no Brasil. Mas, por trás de tanta
diversificação, estava um grupo altamente dependente de suas cinco
principais empresas— feitas para auxiliar umas às outras. Uma estrutura
ótima quando as coisas vão bem, já que uma puxa o crescimento da outra.
Porém, quando um dos negócios entra em parafuso, o resto corre o risco
de ir junto. Entra-se no pior dos mundos: um empresário com atenções
divididas entre mais de uma dezena de empresas, todas complexas, e com
uma contaminando a outra. Grupos que diversificam com sucesso o fazem
aos poucos, tendo como eixo central uma empresa sólida e rentável.
Finalmente, para se proteger, um conglomerado entra em negócios que
sofrem efeitos diferentes em caso de crise. Assim, um mau ano na unidade
de mineração da Votorantim, por exemplo, pode ser compensado pelo
sucesso da área de cimentos. No caso de Eike, nada disso aconteceu. O
eixo do grupo era a petroleira OGX — um projeto de alto risco que acabou
indo à lona — e, como eram novatas e carentes de financiamento, as
demais empresas sofreram igualmente com a crise de confiança que abalou o
grupo.
O otimismo exagerado o levou a fazer pouco de obstáculos que
amedrontariam qualquer um, com aquilo que os analistas do Deutsche Bank
chamaram de “indisciplina financeira” — Eike pagou o maior ágio da
história dos leilões de petróleo do Brasil e depois gastou 5,3 bilhões
de dólares numa campanha exploratória que não deu retorno. Acabou metido
em projetos que provou ser incapaz de administrar. No início, trouxe
executivos de renome para comandar as empresas, como Rodolfo Landim,
ex-presidente da distribuidora BR. Mas logo escanteava quem o tratava de
igual para igual. Os conselhos de administração, repletos de nomes “de
peso”, nunca impuseram limites à megalomania de Eike. A falta de poder
dos conselhos é exemplificada por um episódio recente. Em 2012, Eike
prometeu um bilhão de dólares para a OGX caso o conselho requisitasse.
Mas, como a crise se agravou e ele não quer torrar esse dinheiro, os
conselheiros independentes deixaram o cargo. Hoje, o conselho tem apenas
quatro membros. Eike, o pai, seu braço direito, o tunisiano Aziz Ben
Ammar, e Rodolfo Riechert, presidente do banco Brasil Plural.
Guiou-se pelo mercado acionário, e não pela dinâmica de cada setor
Pessoas que trabalham ou que já trabalharamcom Eike Batista costumam
defini-lo como um exímio vendedor. Tal habilidade foi fundamental para
levantar os 26 bilhões de dólares de investidores que financiaram seus
negócios. Mas financiar tantas empresas iniciantes no mercado acionário
teve um custo alto. O grupo ficou dependente do preço das ações,
encantado com seu próprio sucesso — e se esqueceu de dedicar-se a
construir as empresas. Eike inventou um modelo de “criação” de negócios,
numa fórmula que, para funcionar, precisava transformar os projetos em
empresas com alto valor na bolsa. Foi algo inédito no mundo. Projetos em
setores como petróleo, mineração e energia costumam ser financiados por
investidores especializados, que conhecem os riscos de cada setor e
estão dispostos a esperar pelos resultados. Mas, como o mercado
acionário estava encantado com Eike e disposto a pagar caro, as maiores
empresas acabaram abrindo o capital. O resultado foi um grupo “viciado”
em bolsa, em que tudo era guiado pelo preço das ações, da remuneração à
estratégia. Desde sua criação, a OGX divulgou 55 comunicados
relacionados aos blocos sob sua concessão. Analistas recomendam que o
início da produção de um novo campo seja tratado como teste por, pelo
menos, quatro meses. Nesse período, as empresas não costumam divulgar
informações porque as previsões podem simplesmente não se confirmar.
Mas, contrariando a praxe do setor, na primeira semana de produção de
seu campo de Tubarão Azul a OGX informou que esperava 15 000 barris ao
dia em cada um dos quatro poços. Seis meses depois, quando se descobriu
que eles tinham capacidade para 5 000 barris ao dia cada um, teve início
o colapso da OGX. Enquanto isso, a empresa cometia pecados banais no
setor. As petroleiras separam os times de exploração, responsáveis por
encontrar petróleo, dos engenheiros que definem se o reservatório tem
viabilidade econômica. A OGX tinha uma equipe de exploração tirada a
peso de ouro da Petrobras. Ela era responsável pelas “descobertas” e por
embasar os anúncios ao mercado. Faltava, no entanto, uma equipe
tarimbada de produção, que efetivamente tirasse o petróleo de lá. Na
hora do aperto, ter tantas empresas abertas só potencializou a crise de
confiança e acelerou a queda do grupo X.
Desenhou uma estratégia tudo ou nada
O sucesso da venda de parte da meneradora MMX para Anglo American, em
janeiro de 2008, inflou o otimismo de Eike Batista. Para ele, aquela
era uma prova de que seria possível criar empresas e vendê-las para
grandes grupos num curto espaço de tempo. A transação inflou, também, o
valor que ele mesmo atribuía às suas ideias. E deu origem a um plano que
ou criaria um dos maiores grupos empresariais do mundo ou terminaria em
fracasso. Há cinco anos, começou a tentativa de repetir o sucesso da
MMX nos outros setores — cinco empresas do grupo abriram o capital a
partir dali. As empresas cresciam com dívidas elevadas, nenhuma geração
de caixa, planos de investimentos ousados e premissas otimistas para o
preço das commodities — e, como já foi visto, tudo entrelaçado de forma
simbiótica. Uma combinação extremamente arriscada, já que o sucesso
final do grupo dependeria de uma miríade de fatores, muitos deles fora
de seu controle. Mas Eike seguiu, firme, em sua tentativa de quebrar a
banca. O otimismo era tanto que, em 2010, ele recusou os 7,5 bilhões de
dólares oferecidos pela chinesa Sinopec por 40% dos direitos de
exploração de seus poços de petróleo na Bacia de Campos. “Era o momento
de ter um sócio para dividir o risco, mas prevaleceu a ganância”, diz um
executivo que acompanhou as negociações. Se tivesse vendido parte da
empresa na época, a OGX não teria uma dívida de 4 bilhões de dólares e
lhe sobraria algum caixa para investir em novos campos. Mas aquele se
provou um brutal erro de cálculo. Depois, Eike tentou vender
participações em outras empresas, mas não conseguiu e acabou obrigado a
administrar todas as companhias e efetivamente colocar, ou tentar
colocai’, os projetos de pé. O excesso de confiança fez com que Eike não
se preparasse para um cenário em que as coisas não dessem tão certo.
“Ele poderia ter usado parte do dinheiro que captou para comprar
empresas estabelecidas e rentáveis”, diz o presidente de um banco de
investimentos. “Isso diminuiria o risco de colapso.” Como todos os
projetos estão em fase inicial, e ele não tem onde se apoiar, acabou
obrigado a colocar à venda todas as suas empresas.
Enriqueceu executivos sem enriquecer a empresa
Para atrair profissionais tarimbados para companhias, Eike Batista
ofereceu pacotes de remuneração extremamente generosos, com base na
distribuição de gordos lotes de opções de ações. Se os papéis
valorizassem, todos sairiam ganhando. Mas havia um problema. Ao
contrário do que acontece em empresas como a cervejaria Ambev, o
pagamento do bônus não era atrelado a indicadores que garantissem a
saúde de longo prazo das empresas — mas meramente à cotação das próprias
ações na bolsa. Criou-se um paradoxo. Os projetos do grupo EBX eram de
longo prazo, mas todos os incentivos financeiros eram ligados ao curto
prazo. Por causa disso, dezenas de executivos que atuavam no grupo
ficaram milionários muito antes de as empresas começarem a extrair
petróleo, exportar minério, construir plataformas. De 2010 a 2012, os
cinco principais executivos da petroleira OGX, por exemplo, embolsaram
129 milhões de reais, de acordo com relatórios da companhia. Essa
estratégia era ótima para os funcionários e péssima para os negócios.
Para tornar a coisa ainda pior, Eike aceitou uma sugestão dos
funcionários da OGX para cortar de quatro para dois anos o período pelo
qual os executivos eram proibidos de negociar o lote de ações que
recebiam. O resultado é que estavam todos vendendo ações próximas do
preço recorde sem que uma gota de petróleo tivesse sido extraída do
fundo do mar. “O pulo do gato não é oferecer bônus elevados, é
incentivar os funcionários a trabalhar pela causa correta”, diz Leonardo
Salgado, diretor da consultoria de recursos humanos Hay Group.
Confundiu ambição com pressa
Pressa não costuma combinar com bons resultados no longo prazo.
Especialistas em gestão e estratégia recomendam que uma companhia comece
a diversificar sua atuação apenas quando seu negócio principal estiver
maduro a ponto de sustentar as empresas iniciantes — que demoram a
engrenar e, fatalmente, perdem dinheiro em seus primeiros anos.
Conglomerados bem-sucedidos costumam seguir essa lógica. O grupo
Odebrecht, maior conglomerado brasileiro da atualidade, com mais de 16
empresas, levou 35 anos até partir para seu segundo negócio. De 1944 a
1979, atuou apenas em construção. Hoje, tem empresas de petroquímica, de
energia e até de administração de estádios. O fundo 3G, de Jorge Paulo
Lemann, que compra empresas de dois em dois anos, só parte para o
próximo alvo depois de concluir uma reestruturação completa na companhia
adquirida antes. Ninguém pode acusar Lemann ou a família Odebrecht de
pensar pequeno. A diferença entre eles e Eike está no método, não na
ambição. Eike criou negócios em uma velocidade inédita na história do
capitalismo brasileiro, em setores altamente complexos e sem dar tempo
para que uma empresa servisse de pilar do grupo. Tudo foi feito ao mesmo
tempo para aproveitar o dinheiro farto que vinha de investidores
estrangeiros. “Ele subestimou os inúmeros desafios que naturalmente
surgiriam em cada um desses projetos”, diz um ex-membro da cúpula da
EBX.
Promoveu apenas otimistas
Eike Batista não gosta de más notícias. Por issoalçou ao topo da
hierarquia o “yes man”, aquele que sempre diz sim ao chefe. O mais
notório foi o geólogo Paulo Mendonça, promovido a presidente da OGX em
abril de 2012, dois meses antes do início da derrocada. Considerado no
setor um geólogo brilhante, porém otimista demais, Mendonça tornou- se o
par aparentemente perfeito para o empresário, que o apelidou de Dr.
Oil. Hoje, a amigos, Mendonça reconhece que não queria ser visto como
mensageiro de más notícias. O valor das ações da OGX era impulsionado
pelas notícias infladas divulgadas pela companhia, o que enriquecia os
executivos e criava um terreno árido para quem dissesse que o rei estava
nu. A quem dizia que estava errado, costumava responder com frases como
“Quem é o dono disso aqui?” e recebia funcionários perguntando que
“boas notícias” tinham para dar. Marcelo Faber Torres, ex-diretor
financeiro da OGX, caiu em desgraça quando se opôs a uma operação
financeira arquitetada pelo patrão. No início de 2012, Eike queria
captar recursos no exterior usando como garantia a produção futura da
OGX. Torres argumentou que o fato de a petroleira ainda não ter produção
regulai” faria com que os investidores exigissem um desconto muito alto
para comprar os papéis. Desgastado, Torres foi demitido em abril.
Mendonça, hoje uma espécie de bode expiatório para o fracasso da OGX,
era um otimista aparentemente sincero. Uma cópia de sua declaração do
imposto de renda de 2012, obtida por EXAME, mostra que ele tinha mais de
9 milhões de ações da OGX. Um ano atrás, essas ações valiam 53 milhões
de reais. Hoje, valem 5 milhões.
Fonte: EXAME